sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Buscando santidade


Um mero eu
A enfileirar desejos
A cantar no escuro
Protegido por um muro
De íntegras razões
Quem dera ser
Um ser apaixonado e puro
Um personagem mudo
De um filme francês
E ser de vocês a imagem
Mais doce e inocente
A mais ausente criatura
Do mundo que está
Por algum tempo que, afinal, passou depressa
Como tudo tem de passar
Hoje me sinto como se ter ido fosse
Necessário para voltar
Tanto mais vivo de vida mais vivida
Dividida para lá e para cá.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Cansaço

Andei cansando. Cansando fácil. Cansando de não ter e de tentar. Cansado de ser e não querer continuar sendo. Cansando de cansar.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Enquanto você sonhava

Você acaba de chegar. Põe as chaves da casa e do carro em cima da mesa de jantar e caminha direto para a cozinha. Sempre teve essa mania, de ir direto pra cozinha. Às vezes só acendia a luz, apagava e voltava. Como se quisesse avisar, aos ratos e baratas, que chegou. Eu presto atenção no seu andar por um momento. Sempre o achei bonito. Não sei porque motivo, realmente; mas lembro de sempre ficar observando seu andar pela casa e o achava lindo. Um andar indisposto, cansado e dengoso. Você senta no sofá com um cigarro na boca e uma cerveja na mão. Liga a TV, troca inúmeras vezes de canal, desiste e desliga. Se espalha no sofá e fica olhando para o teto. E eu me entrego a essa imagem, que você sustenta, por longos minutos. Admiro o jeito com que sua perna direita fica pendurada fora do sofá, a forma como batuca na lata de cerveja, enquanto a outra perna segue o ritmo de uma música que toca na sua cabeça. Tenho ciúme porque você pensa na música, mas não pensa em mim. Ou será que pensa enquanto canta a música mentalmente. Fico confusa e enjoada, com vontade de chorar e vomitar.
Olho pra você lenta e longamente antes ir embora. Ao encará-lo de frente, vejo que uma lágrima escorre tímida do seu rosto. Será que pensava em mim realmente? Levo minha mão até seu rosto e ela desliza suavemente sobre ele. Você sente frio, levanta e fecha a cortina da janela. E eu vou desaparecendo vagarosamente da sala e da sua mente. Um dia, talvez, da sua vida.

domingo, 28 de novembro de 2010

Moringando

E eu via as veias da tua mão máscula, que faziam movimentos circulares em volta dela. E que depois, sem piedade, a golpeava como quem tem carinho especial pelas coisas que trazem beleza.
E ela gemia, como quem afoga. Podia-se sentir sede, só de ouvir aquele som.
E você fazia tudo acontecer, apenas sabendo como dizer. Apenas fazendo ela dizer, como pode ser suave toda a força do mundo reunida.
E eu, no meu canto, fechava os olhos e imaginava as linhas do teu rosto iluminado de prazer por estar fazendo exatamente o que queria na hora em que desejava.
Isso é beleza. Tudo deve ser o mais natural possível. As coisas naturais não obedecem nada, senão a lei da natureza. A lei que deve ser respeitada sempre, e outra alternativa não há.
Não há nada mais belo que deixar fluir e saber que o que fluirá será o melhor que poderia acontecer.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ele era químico. Sua aparência, um clichê ambulante. Uns óculos, uma magreza pálida e um jaleco branco. Sorriu ao me ver. Eu eu retribui, nenhum dos dois foi sincero. E, mesmo assim, me senti acolhida. Havia a preocupação em aceitar o outro e isso me fez relaxar.
Antes dos óculos quebrarem e ele os jogar no bolso do jaleco, ele havia me dito duas coisas importantes: "Eu sei de muita coisa. Coisas que fariam você perder o sono pro resto da vida." e "Não tenha medo. Mas não confie demais também."
Meu coração vivia aos pulos e sobressaltos e eu sem saber porque durante toda a noite, vim perceber que havia me apaixonado ao desligar a luz do abajur.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Loki forever

Eu tenho medo de criar juízo.
Criar juízo é voltar a ser covarde.
É não dizer a verdade,
é viver sem acreditar.
Criar juízo é sorrir na hora de sorrir, chorar na hora de chorar.
Criar juízo é estar apto a ter filhos, ser bom exemplo, um bom partido.
Criar juízo é não poder dizer não, é não poder dizer sim. Se assim não convier.
Criar juízo é não ser feliz, é não ser o que se é.
Eu tenho medo, muito, muito mesmo.
Tenho pesadelos com isso todas as noites.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Intraduzível

Você, que não vê, não há como saber.
Não há como verter sensações que só a visão nos outorga.
Você que não vê, não pode sentir, nem pode exprimir da forma justa
O que o mundo ao redor nos diz.
E diz, assim, como um bebê que suga a mama da mãe
Nos suga os olhos, nos deixa tontos e sem ar,
Apenas com gana de explicar, mas sabendo ser impossível
Dar ou deixar de dar a alguém o que lhe foi colocado na mão.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Por um segundo

Eis que você vem me dizer, não com palavras, mas com as mãos: "Você é minha."
E eu, no alto da minha independência, me calo. E digo, não com palavras, mas com o silêncio: "Da cabeça aos pés."

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Pra não dizer que não falei

Eu não estou interessado em seu novo fio de cabelo branco, na cor nova do seu esmalte, do novo cara para que você está dando.
Eu não estou interessado no alinhamento dos planetas, se mercúrio regerá nossas vidas, no tanque de gasolina que explodiu.
Não estou interessado em filosofia, ciência, matemática ou geologia.Não estou interessado em jogos, estratégias ou planejamentos.
Não estou interessado nos próximos segundos. Não estou interessado nos segundos anteriores a este.
Amar e mudar as coisas me interessa mais.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mumunhas

Eu, que tinha tudo para ser feliz, estou aqui remendando meu coração por conta de alguém que fez do seu amor uma navalha.
Eu, que era forte e sadio, hoje tusso pela casa, cuspindo sangue e mágoa por um amor de doença terminal.
Eu, que era são e jovem, me entreguei a solidão e deixei a realidade de lado, porque vivê-la me dói.
Eu, que entreguei meus planos na mão de um destino sádico, peço a um deus pérfido, clemência e misericórdia, crendo na infinita bondade de quem só tem egoísmo derramando do peito.
Eu, que já não era ninguém, valho muito menos do que se possa valer o medo para quem não tem coração.
Mas antes, muito antes, que termine a vida, ainda me vejo sentindo novamente uma alegria pura.

domingo, 24 de outubro de 2010

Veja

Não acredito em ações não pensadas, pois meu pensamento acompanha a velocidade do meu desejo.
Acredito no que vejo e quando vejo gosto de tocar.
Uma canção que fala de sonhos velou meu sono
E hoje, quando acordar, quero ainda ter vontade de viver, quero estar feliz por isso.
E que tudo não seja felicidade
Pois canções de dor são mais belas que marchinhas de carnaval
E eu preciso da beleza para saber que a tristeza serve para alguma coisa.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Esses meninos

Eles já trocaram os sonhos por sorrisos não-seguros
Tendo os dedos duros, engessados por baterem demais na porta do futuro.
E agora, arrependidos por venderem sua pureza e sem certeza do que os esperam quando o show chegar ao fim.

Esses meninos andaram colocando os pés em caminhos por aí,
E por medo do escuro se perdem na contramão.
Eles já não tocam meu coração e eu tenho razão
Se, por acaso, sofro
Se, por acaso, digo não.

domingo, 17 de outubro de 2010

Uma TV

Acabo de comprar uma TV a cabo. E a solidão já bateu à minha porta. Que venham os pesadelos, a fome e a vontade de amar alguém. Eu agora tenho uma TV a cabo e as horas já não me doem nos ossos.

Pelas ondas tabajaras ouço as vozes que me dizem: O mal é bom e o bem, cruel.

Você que agora já me esqueceu, mas já me amou um dia, ouça: Eu agora tenho uma TV a cabo. E o que eu sofri, o que eu chorei por amores não válidos, será agora limado pela alegria alucinante e cara das emissoras consagradas. Agora tenho dezenas de oportunidades para acabar com a minha tristeza, que não me leva a nada, que não me leva até Você.

Esqueça! Eu não saio mais de casa, não adianta bater na porta. Eu não abro.

Acabo de comprar uma TV a cabo.

sábado, 16 de outubro de 2010

Gabriela

E ela, que antes sorria, deixou só pranto completar seus dias

E ela, que antes amava, fechou seu peito a chaves secretas,

Fez do seu mundo floresta selvagem onde nem o mais bravo dos homens ousaria lançar caminho

E seu caminho, agora é incerto

Ora no deserto, ora entre tanto olhos e bocas

Ora lucidamente jovem, ora carqueticamente louca

E ela que antes era luz, tem sido a treva dos meus dias.

Ela, que já não é mais ela, não é mais a minha, não sobrou nada daquela

Ela, que ainda é bela, mas as seqüelas que a vida tem lhe deixado, me tem sobrado como mazela.

O que farei?

Como será?

O que terei do teu olhar, Gabriela?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Na poeira

Chegará o tempo em que a velhice carcomerá meus ossos
Me deixará no ócio
Me sugará o ar

Um dia a velhice manchará meus pulmões
Tirará minhas razões
E tornará minhas paixões velhas e poeirentas tolices

Futuramente a velhice chegará
Sucumbirei ao abandono
Serei vencido pelo sono
Terei meus próprios fantasmas

A velhice que virá trará com ela a solidão
Que deixará meu coração um troço ruim de carregar.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Arroubo

Tinha uns lábios que pareciam maduras pitangas,
pareciam tanto, mas tanto
que antes que eu pudesse me dar conta,
os chupei.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Karma

Com o juízo na mão e um sorriso no rosto
Eu ainda sutento esse mundo no peito
Eu ainda me dou ao respeito
Eu ainda faço tudo por mim mesmo

Com a cara, assim, bem-aventurada
Colo selos na parede da memória
Porque a felicidade mora nela

A felicidade é comprada por quem sabe o valor dela
E vendida por quem o desconhece.